Mudar a nossa maneira de pensar
Lutas por controlo de status social são
extremamente raras entre canídeos selvagens, onde podemos incluir os lobos. O
mesmo é verdade para humanos. A não ser que a situação envolva condições de
stress social anormalmente elevadas ou severas (por exemplo, fome, guerra,
demasiados indivíduos para poucos recursos), a maior parte das relações sociais
humanas são estruturadas por negociações e deferência pelo outro em vez de
violência. O mesmo padrão se verifica nos cães. Em resumo, tanto nas relações
dos cães como nas relações dos seres humanos a violência é sinal que algo
correu mal.
Depositar a nossa confiança no mito da
dominância, normalmente resulta em comportamentos nada simpáticos ou mesmo
abusivos para com os nossos cães levando a situações perigosas tanto para os
cães como para os seres humanos. Uma melhor compreensão das regras sociais que
se baseiam na deferência pode ajudar-nos a evitar comportamentos injustos, cruéis
e muitas vezes perigosos que são o resultado de sermos estupidificados pela
dominância.
O que queremos dizer por deferência? Deferência ocorre quando indivíduos
sociais avaliam uma determinada situação e esperam calmamente o feedback de
outro membro do grupo antes de decidir pelo uso de outros comportamentos ou interacções sociais.
Em sistemas baseados em deferência, as
hierarquias são fluídas e flexíveis, dependendo do contexto e da informação
trocada. O indivíduo ao qual os outros deferem pode ser diferente consoante as
circunstâncias sociais; e o status e as circunstâncias não são absolutas e
imutáveis.
Muito tem sido escrito sobre como os cães
olham para os membros da sua família e os vêm como membros da sua “matilha”. É
importante relembrar que matilha é apenas e só a palavra que descreve um grupo
de cães assim como rebanho descreve um grupo de ovelhas e vara um grupo de
porcos.
As verdadeiras matilhas caninas são constituídas
pelos animais nascidos no sei do grupo social, sendo mais próximos uns dos
outros ao nível familiar do que de outros animais noutra matilha. Na maior
parte das casas que albergam mais do que um cão, os cães não têm laços familiares.
A maneira como a maior parte dos cães vive quando em conjunto com outros cães é
quase como que uma “anti-matilha”: As relações entre eles são impostas no momento
em que um novo animal chega.
Por usarmos a palavra matilha de forma
leviana, assumimos de certa forma que os humanos têm de ser os líderes da
matilha. Esta suposição fez-nos comportar de forma errada em relação aos
animais. Enquanto nos preocupamos com os cães, eles sabem que não somos cães e
o seu relacionamento com cães e humanos será sempre diferente. É muito mais
fácil entendermos as relações interdependentes e complexas entre cães e humanos
se pusermos completamente de lado o conceito de matilha.
Fazer
melhor pelos cães
Para entendermos e interagirmos com sucesso
com os cães temos de perceber que o cão interage connosco e interroga-nos. Por
vezes ele fá-lo oferecendo-nos uma série de comportamentos e esperando pela
mudança no comportamento humano, vocalizando, dando-nos a pata ou sentando-se calmamente
a olhar para nós. Este último comportamento é o que nos dá tempo e espaço para
trocarmos informação com os nossos cães.
Interagir com o cão não tem nada a ver com
dominá-lo. Tem sim, a ver com sinalizar claramente e ser consistente para que o
cão aprenda e possa ter as pistas necessárias ao comportamento apropriado
naquele momento.
Ao entendermos a história evolutiva do cão
doméstico com o ser humano, como uma história partilhada, interdependente, de
relação cooperativa, podemos criar uma estratégia mais efectiva de gerir as
nossas preocupações com o comportamento canino.
1.Devemos a todo o custo evitar as
situações que sabemos que irão provocar o comportamento errado no cão. O nosso
objectivo deverá ser evitar reforçar inadvertidamente o comportamento
inapropriado.
2.Devemos interromper de forma humana os
comportamentos problemáticos – sem recompensa-los – o mais cedo possível.
3.Devemos observar cuidadosamente e
recompensar o cão pela oferta livre e por vezes inesperada de um comportamento apropriado.
Ao fazermos isto, informamos o cão de quais são os comportamentos desejados. É
completamente injusto para o cão ter de tentar adivinhar o que queremos no meio
de punições e gritaria. Por exemplo, podemos dizer milhões de vezes a uma
pessoa o que não fazer, mas a menos que mostremos a essa pessoa como o fazer
correctamente, ela vai sempre cometer erros.
Este padrão simples, baseado no
conhecimento de que os cães são seres cognitivos e que procuram perceber o que
queremos deles, permite que a aprendizagem e a recuperação ocorram e que os
cães melhorem sem o uso de violência.
Escapar
à punição
Ao recusarmo-nos a sermos estupidificados
pela dominância também podemos mudar a nossa percepção da punição. O castigo
físico é frequentemente recomendado para mudar comportamentos e pode incluir o uso
de correcções de coleira ou trela, correcções com coleiras estranguladoras ou
de bicos, uso de coleiras de choque, bater no cão, forçar o cão a andar e bater
na árvore ou no poste para que preste atenção ou atar o cão de modo a que não
se consiga mexer. Todas estas técnicas estão inseridas no coceito da
necessidade de dominar o cão, como meio de controlo sobre o mesmo. Algumas
destas técnicas envolvem abuso óbvio, outras podem facilmente ser usadas de
forma abusiva. Nenhuma delas é recomendável.
A verdadeira definição de punição não
requer dor; requer sim um estímulo suficientemente poderoso para que o cão
deixe de fazer o comportamento com o resultado subsequente de que a probabilidade do cão voltar a
oferecer o comportamento no futuro
diminua. As partes enfatizadas da frase são importantes porque se estas condições
não forem reunidas, o cão não está a ser punido, está simplesmente a ser
abusado física ou psicologicamente.
Cuidado
humano cientificamente aprovado
Podemos usar os novos dados científicos
sobre cães para nos guiar no mundo dos comportamentos caninos que achamos
problemáticos. Resolver comportamentos caninos problemáticos na verdade não tem
nada a ver com controlo, liderança ou domínio do cão – tem simplesmente a ver
com aumentar a probabilidade de sinalizar ao cão o comportamento correcto,
tendo a certeza de que temos a total atenção do cão quando o fazemos e tendo a
certeza de que estamos mesmo a recompensar os comportamentos desejados.
À medida que novos dados surgem, a nossa
única hipóteses é aceitar que o uso do conceito da dominância tem encorajado o
uso de técnicas que são perigosas para os donos tal como para os cães e que são
injustas e muitas vezes abusivas para com os cães. Para aqueles que queiram
usar factos como trunfos nesta afirmação, vejam o AVSAB dominance position statement e o Dog
Welfare Campaign position statement.
Para
divulgação a crianças recomendo o Blue dog (http://thebluedog.org/; para crianças entre os 3 e os 6 anos)
Dois pequenos e populares livros sobre
comunicação canina que podem ser interessantes tanto para veterinários como
para os amentes de cães em geral: Tail Talk:
Understanding the Secret Language of Dogs (Chronicle Books, 2007) e The
Canine Commandments (Broadcast Books, 2007).
As boas
notícias são que agora podemos escolher não ser estupidificados pela dominância.
(imagem de: http://drsophiayin.com)
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