sábado, 23 de junho de 2012

Estupidificados pela dominância - Parte II - por Dr.Karen Overall




Mudar a nossa maneira de pensar

Lutas por controlo de status social são extremamente raras entre canídeos selvagens, onde podemos incluir os lobos. O mesmo é verdade para humanos. A não ser que a situação envolva condições de stress social anormalmente elevadas ou severas (por exemplo, fome, guerra, demasiados indivíduos para poucos recursos), a maior parte das relações sociais humanas são estruturadas por negociações e deferência pelo outro em vez de violência. O mesmo padrão se verifica nos cães. Em resumo, tanto nas relações dos cães como nas relações dos seres humanos a violência é sinal que algo correu mal.

Depositar a nossa confiança no mito da dominância, normalmente resulta em comportamentos nada simpáticos ou mesmo abusivos para com os nossos cães levando a situações perigosas tanto para os cães como para os seres humanos. Uma melhor compreensão das regras sociais que se baseiam na deferência pode ajudar-nos a evitar comportamentos injustos, cruéis e muitas vezes perigosos que são o resultado de sermos estupidificados pela dominância.

O que queremos dizer por deferência? Deferência ocorre quando indivíduos sociais avaliam uma determinada situação e esperam calmamente o feedback de outro membro do grupo antes de decidir pelo uso de outros comportamentos ou interacções sociais.
Em sistemas baseados em deferência, as hierarquias são fluídas e flexíveis, dependendo do contexto e da informação trocada. O indivíduo ao qual os outros deferem pode ser diferente consoante as circunstâncias sociais; e o status e as circunstâncias não são absolutas e imutáveis.

Muito tem sido escrito sobre como os cães olham para os membros da sua família e os vêm como membros da sua “matilha”. É importante relembrar que matilha é apenas e só a palavra que descreve um grupo de cães assim como rebanho descreve um grupo de ovelhas e vara um grupo de porcos.

As verdadeiras matilhas caninas são constituídas pelos animais nascidos no sei do grupo social, sendo mais próximos uns dos outros ao nível familiar do que de outros animais noutra matilha. Na maior parte das casas que albergam mais do que um cão, os cães não têm laços familiares. A maneira como a maior parte dos cães vive quando em conjunto com outros cães é quase como que uma “anti-matilha”: As relações entre eles são impostas no momento em que um novo animal chega.

Por usarmos a palavra matilha de forma leviana, assumimos de certa forma que os humanos têm de ser os líderes da matilha. Esta suposição fez-nos comportar de forma errada em relação aos animais. Enquanto nos preocupamos com os cães, eles sabem que não somos cães e o seu relacionamento com cães e humanos será sempre diferente. É muito mais fácil entendermos as relações interdependentes e complexas entre cães e humanos se pusermos completamente de lado o conceito de matilha.

Fazer melhor pelos cães

Para entendermos e interagirmos com sucesso com os cães temos de perceber que o cão interage connosco e interroga-nos. Por vezes ele fá-lo oferecendo-nos uma série de comportamentos e esperando pela mudança no comportamento humano, vocalizando, dando-nos a pata ou sentando-se calmamente a olhar para nós. Este último comportamento é o que nos dá tempo e espaço para trocarmos informação com os nossos cães.

Interagir com o cão não tem nada a ver com dominá-lo. Tem sim, a ver com sinalizar claramente e ser consistente para que o cão aprenda e possa ter as pistas necessárias ao comportamento apropriado naquele momento.

Ao entendermos a história evolutiva do cão doméstico com o ser humano, como uma história partilhada, interdependente, de relação cooperativa, podemos criar uma estratégia mais efectiva de gerir as nossas preocupações com o comportamento canino.

1.Devemos a todo o custo evitar as situações que sabemos que irão provocar o comportamento errado no cão. O nosso objectivo deverá ser evitar reforçar inadvertidamente o comportamento inapropriado.

2.Devemos interromper de forma humana os comportamentos problemáticos – sem recompensa-los – o mais cedo possível.

3.Devemos observar cuidadosamente e recompensar o cão pela oferta livre e por vezes inesperada de um comportamento apropriado. Ao fazermos isto, informamos o cão de quais são os comportamentos desejados. É completamente injusto para o cão ter de tentar adivinhar o que queremos no meio de punições e gritaria. Por exemplo, podemos dizer milhões de vezes a uma pessoa o que não fazer, mas a menos que mostremos a essa pessoa como o fazer correctamente, ela vai sempre cometer erros.



Este padrão simples, baseado no conhecimento de que os cães são seres cognitivos e que procuram perceber o que queremos deles, permite que a aprendizagem e a recuperação ocorram e que os cães melhorem sem o uso de violência.

Escapar à punição

Ao recusarmo-nos a sermos estupidificados pela dominância também podemos mudar a nossa percepção da punição. O castigo físico é frequentemente recomendado para mudar comportamentos e pode incluir o uso de correcções de coleira ou trela, correcções com coleiras estranguladoras ou de bicos, uso de coleiras de choque, bater no cão, forçar o cão a andar e bater na árvore ou no poste para que preste atenção ou atar o cão de modo a que não se consiga mexer. Todas estas técnicas estão inseridas no coceito da necessidade de dominar o cão, como meio de controlo sobre o mesmo. Algumas destas técnicas envolvem abuso óbvio, outras podem facilmente ser usadas de forma abusiva. Nenhuma delas é recomendável.

A verdadeira definição de punição não requer dor; requer sim um estímulo suficientemente poderoso para que o cão deixe de fazer o comportamento com o resultado subsequente  de que a probabilidade do cão voltar a oferecer o comportamento no futuro diminua. As partes enfatizadas da frase são importantes porque se estas condições não forem reunidas, o cão não está a ser punido, está simplesmente a ser abusado física ou psicologicamente.

Cuidado humano cientificamente aprovado

Podemos usar os novos dados científicos sobre cães para nos guiar no mundo dos comportamentos caninos que achamos problemáticos. Resolver comportamentos caninos problemáticos na verdade não tem nada a ver com controlo, liderança ou domínio do cão – tem simplesmente a ver com aumentar a probabilidade de sinalizar ao cão o comportamento correcto, tendo a certeza de que temos a total atenção do cão quando o fazemos e tendo a certeza de que estamos mesmo a recompensar os comportamentos desejados.

À medida que novos dados surgem, a nossa única hipóteses é aceitar que o uso do conceito da dominância tem encorajado o uso de técnicas que são perigosas para os donos tal como para os cães e que são injustas e muitas vezes abusivas para com os cães. Para aqueles que queiram usar factos como trunfos nesta afirmação, vejam o AVSAB dominance position statement e o Dog Welfare Campaign position statement.

Para divulgação a crianças recomendo o Blue dog (http://thebluedog.org/; para crianças entre os 3 e os 6 anos)

Dois pequenos e populares livros sobre comunicação canina que podem ser interessantes tanto para veterinários como para os amentes de cães em geral: Tail Talk: Understanding the Secret Language of Dogs (Chronicle Books, 2007) e The Canine Commandments (Broadcast Books, 2007).

As boas notícias são que agora podemos escolher não ser estupidificados pela dominância.

(imagem de: http://drsophiayin.com)

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