Estupidificados pela dominância - Parte 1
artigo original
aqui
Explorando os nossos mitos e concepções erradas sobre as
relações humano-cão
O problema: A maioria dos problemas comportamentais caninos
ou envolvem comportamentos naturais do cão que não são aprovados pelo homem ou
não são compreendidos ou problemas relacionados com ansiedade que incluem
verdadeiros diagnósticos comportamentais. O fundamento para se tratar qualquer
problema comportamental canina assenta-se em:
- Compreender o que é “normal”
- Identificar e atenuar os riscos
- Comunicar eficazmente com o cão
- Ler os sinais comunicativos do cão
- Ir de encontro às necessidades do cão
E ainda, o principal conselho que demasiados veterinários e
treinadores dão aos seus clientes, ignora por completo este fundamento e
aparece focado principalmente nas necessidades humanas:
- “Você tem de dominar bem o seu cão!”
- “ Você tem de ter o controlo e mostrar ao seu
cão quem manda!”
- "Você tem de ser o alfa!”
- "Você tem de ter a certeza que o seu cão é o
submisso"
Será este focus antropocêntrico realmente necessário e será
que reflecte verdadeiramente o nosso historial com os cães?
A resposta a estas duas questões: Claro que não! O conceito
de dominância aplicado aos cães domésticos é baseado num profundo
desconhecimento da história partilhada de cães e humanos.
A relação única entre
cães e homens
Os cães têm uma relação única com os humanos que não se
assemelha a nenhuma outra no reino dos animais domésticos. Os cães foram
selecionados ao longo dos tempos de modo a colaborarem e trabalharem
intimamente com os humanos e tal selecção deu origem historicamente a raças de
cães que hoje em dia se encontram separadas por grupos.
Os dados moleculares confirmam que os cães estão
geneticamente separados dos lobos desde à 135 000 anos. Dados Moleculares e
antropológicos mostram que o cão tal como o conhecemos, vive na sociedade
humana, desempenhando diferentes à pelo menos 15 000 anos. Dados antropológicos
sugerem que a ligação cão-homem iniciou-se à cerca de 30 000 anos. Pelo menos
nos 2 000 anos que passaram, definiram-se grupos de raças bem definidas,
compostas por cães de diferentes tamanhos e formas que estão relacionados com
determinada tarefa.
A maioria das variações físicas nas raças de cães é o
resultado de selecção dum determinado comportamento que vinha acompanhado de um
determinado aspecto físico. Por exemplo o tipo de pelo pode depender do tipo de
comportamento desejado – como acontece por exemplo com a raça Springer Spaniel
Ingles onde temos os indivíduos selecionados para trabalho são completamente
diferentes dos indivíduos selecionados para exposições, chegando mesmo a
parecer raças distintas.
A nossa relação única com os cães deriva da convergência
entre a evolução do sistema social canino e humano que resultam do encontro
entre grupos com os mesmo interesses que reconhecem o poder do esforço
colaborativo seguido secundariamente pelas mudanças ao nível da função cerebral
que permitiram ao homem e cão modernos entenderem-se e contarem um com o outro.
Padrões
comportamentais partilhados por cães e humanos
Tanto os humanos como os cães:
- Vivem em grupos familiares alargados
- Providenciam cuidados parentais até à maioridade
- Têm especial atenção e carinho para com os mais
novos, mesmo que não pertençam ao seu grupo familiar
- Dão à luz crias completamente dependentes e
imaturas que requerem um grande cuidado e, mais tarde, cuidados constantes de
interacção social.
- Amamentam por um extenso período e no desmame
passam por um período de alimentação semissólida (os cães regurgitam; os
humanos têm as papas para bebé, mas o conceito é o mesmo)
- Têm um extenso vocabulário vocal e não vocal
- Têm uma maturidade sexual que precede a maturidade
social
Dentro das características dos comportamentos sociais que os
cães partilham com os humanos, está que o seu sistema social é baseado no
respeito e consideração pelos outros indivíduos. Adicionalmente, muitos dos
sinais comunicativos associados são redundantes (vários sinais com o mesmo
significado), e a maioria dos sinais comunicativos são não vocais.
Dados recentes
indicam que os cães também são comparáveis com os humanos no que toca à
cognição de complexidade social envolvida no entendimento de sinais de longa
distância sobre, por exemplo onde está a comida escondida. Os cães conseguem
comunicar melhor aos outros esta informação. Os cães aparentam ter a capacidade
de “mapear” – fazer deduções sobre classe, nome, função e localização de um objecto,
sem o terem aprendido – e comunicar esta capacidade aos humanos. Tal como os
humanos, os cães sofre daquilo que nós reconhecemos como ansiedade desajustada
– que interfere com o sei normal funcionamento.
Finalmente, quando examinamos as taxas de expressão
génica de mutações em regiões do tecido
neuronal, a única espécie das estudadas que tem taxas comparáveis às dos
humanos é o cão doméstico. Tais dados, quando comparados em conjunto, sugerem
que os cães e os homens têm trabalhado como companheiros de maneiras mais
profundas do que à partida pensaríamos.
As interpretações
erradas e as limitações da literatura etológica e comportamental
·
A Dominância é um conceito etológico tradicional
que diz respeito à capacidade individual de um indivíduo – normalmente em
condições específicas e controladas – de
manter ou regular o acesso a um determinado recurso. É uma descrição da
competição de perder ou ganhar em
relação a esses recursos. N~~ao tem de ser confundido com o status social, e
não tem necessariamente de conferir prioridade no acesso a esses recursos.
·
Nas situações em que a dominância tem sido usada
com uma preocupação de status, é importante perceber que não é definida como a agressão por parte do “dominante”, mas sim como
o afastamento do “submisso”.
·
O comportamento dos indivíduos de status social
relativamente baixo, e não os de status social elevado, é o que determina as
classificações hierárquicas relativas.
·
A classificação por si só tem de ser
contextualizada como relativa. Pois na verdade os animais verdadeiramente acima
na hierarquia são tolerantes para com os de hierarquia mais baixa, não
mostrando os tais comportamentos dominantes.
·
Lutas por lugares sociais raramente dão origem a
verdadeiras lutas físicas. Estas só aparecem quando todos os sinais
comunicativos não são eficazes e falham.
·
Se não houver uma prévia presunção de uma
sistema baseado na dominância, dificilmente se identifica tal sistema. Por
exemplo, aquando do estudo de babuínos, classificou-se os animais de acordo com
o tipo de comportamento (amigável, assustadiço, etc) e posteriormente, quando se analisou o comportamento específico dos indivíduos não foi observado um sistema
baseado na dominância.
As interpretações erradas de problemas patológicos comportamentais e
como eles surgem.
O mal uso e interpretação do
conceito de dominância no que diz respeito aos animais domésticos, criou sérios
problemas no que toca ao entendimento dum comportamento diagnosticado
simplesmente como agressão por dominância
(ou agressão por conflito). Existem três conceitos que sofreram com
este tipo de interpretações:
- A Dominância tem sido erradamente equacionada como um status
social ou ordem rígida numa hierarquia, que se pensou desenvolver-se através da
competição entre cachorros que conseguem prever a necessidade de um status
social em adultos. O comportamento de posse em relação a um osso foi sendo usado como um teste
de dominância em cachorros. Na verdade, os cachorros são muito mais fluidos nas
relações que mantém, que se vão alterando à medida que a química dos seus
cérebros também se altera. A ordem hierárquica que é obtida através de actividades experimentais , está relacionada com a maneira como se realiza a experiência e não
com os comportamentos em si. A própria actividade experimental vai criar uma
hierarquia que antes não existia, induzindo os resultados que se esperam à partida.
- Devido à maneira violenta como as pessoas
acreditavam que a rígida hierarquia era imposta, os humanos têm sido
encorajados a colocar-se a eles mesmos no topo dessa suposta hierarquia de
maneira a que eles mesmos sejam os dominantes. No entanto, a nossa história com
os cães mostra-nos que a relação cão-humano é das que desenvolve mais trabalho
cooperativo e colaborante. Um relação hierárquica como a que a teoria da
dominância impõe não permitiria o desenvolvimento de tal relação de trabalho
cooperante pois não deixaria ao cão nenhuma margem de manobra e teria de ser o
homem a fazer todas as decisões relacionadas com a tarefa a desempenhar. Para
além disso, os sistemas sociais baseados em comportamentos diferenciais e na
obtenção de informação podem confundir-se com estes sistemas de topo-base (como
o defendido pela teoria da dominância) se não forem observados cuidadosamente. Deferência
e respeito em contextos apropriados removem a necessidade de controlo.
- Finalmente, cães que exibem tal diagnóstico que
é baseado em ansiedade patológica e não no uso insuficiente de força, foram
tratados exercendo-se dominância física e psicológica sobre eles. O conselho
mais devastador que tem sido dado aos donos é que eles têm de ser dominantes
para com os seus cães e mostrar-lhes (aos cães problemáticos) “quem é que manda”.
Por causa desta moda, inúmeras pessoas têm sido mordidas pelos cães que elas
próprias têm traído, aterrorizado e deixado sem alternativa. E para os cães que
são diagnosticados com desordens de ansiedade (diagnóstico que envolve
processamento de informação e análise precisa dos risco), os comportamentos
usados para dominar um cão, tais como bater, gritar, enforcar (com coleiras
enforcadoras), forçar o cão a ficar deitado, sentado, executar alfa-rollovers e
outras técnicas punitivas e coercivas, convencem o cão que está magoado,
necessitado e doente de que o humano é uma ameaça, resultando na degradação da
condição do cão.
É para ontem a necessidade de mudarmos o
nosso pensamento!
Sobre a autora:
Dr. Overall, faculty
member at the University of Pennsylvania, is a diplomate of the American
College of Behavior Medicine (ACVB) and is board-certified by the Animal
Behavior Society (ABS) as an Applied Animal Behaviorist.